Espetáculo ‘Divinas Cabeças’ apresenta linguagem poética de cura, conexão e ancestralidade negra

Os artistas Andréa Flores e Leucir Medeiros do Coletivo Xoxós de Belém apresentaram o espetáculo ‘Divinas Cabeças’, no palco da Casa de Cultura em Santarém, na noite de segunda-feira (13). Inspirados em uma linguagem poética baseada em uma dramaturgia pessoal que remete a temas como racismo, cura, conexão com espiritualidade e ancestralidade negra, a peça conectou o público com uma encenação de vivências de pessoas que compõem a árvore genealógica da atriz.

No palco, o cenário mostrava um painel com fotos da família da atriz, uma mesa rodeada de velas e bonecas pretas que eram as principais referências para as histórias dramatizadas. Elizangila Dezincout, atriz e produtora cultural santarena, assistiu ao espetáculo e referenciou as cenas como poética e imagética. “A Andréa fala de vários temas atuais importantes para sociedade, que se misturam com a história pessoal dela e uma apresentação que nos deixa refletir sobre a condição humana e as reverberações que essas histórias causam no presente”, falou.

O “Divinas Bonecas” mostrou expressões corporais que evidenciaram nos contos o processo de cuidado com as pessoas. No palco, a atriz transmitiu uma energia harmônica, com danças características de rituais da cultura negra e diálogos com bonecas que remetem a lembranças familiares, além da potente voz que surpreendeu e deu um brilho diferente na noite.

“Tem uma pergunta que é uma história de vida minha, que eu viro pra minha mãe e digo que eu quero uma boneca que se pareça comigo. Quando eu era criança, não tinha ideia do que eu tinha pedido, essa pergunta é um disparador do processo, nela eu mergulho nas minhas histórias de vida, no momento de invisibilidade, da espiritualidade negra, mas da própria experiência de ser negra no mundo”, frisou a artista.

O nome que leva o espetáculo é ressignificado em diversas dimensões em cima do palco. “Quando eu me descubro negra, eu entro no processo de divinas cabeças, nós entramos juntos enquanto coletivo e atravessamos a pandemia com ele. Os sentidos estão para além de mim, a gente está devolvendo a dádiva para o público, no sentido de cuidar e curar todos os silenciamentos e todas as coisas pelas quais nós passamos nesse momento de perda”, ressaltou Andréia Flores.

O graduando em Engenharia Florestal e ator do Grupo Uirupari, diz que se identificou com o que foi apresentado. “Bem interessante, me pegou em cheio trazer essa estética de se encontrar, a identidade. Eu como homem negro passei por coisas parecidas, tentar se ver nessa estética de comprar produtos que me remetessem, como ela disse no início, de uma boneca, pra mim foi me ver na televisão, eu não conseguia me ver.  Eu particularmente sou músico, gostei muito da trilha sonora do espetáculo, me pegou bastante, me despertou um sentimento bonito”, revelou.

A referência do teatro local, Laurimar Figueira, fez uma análise com um olhar “clínico”. Ele destacou que o Festival tem trazido alguns monólogos interessantes.

“Eu tenho visto um trabalho de muitos homologados, poucas pessoas no palco. É legal que os artistas tenham mostrado a identidade de homens e mulheres da Amazônia. E as pessoas vêm como uma técnica muito bem apurada de apresentação. Hoje, por exemplo, ela domina a técnica, isso ajuda a enriquecer nosso trabalho de teatro na cidade. Essa troca pra nós é muito importante, o público ganha com espetáculos e os artistas do teatro santareno ganham também. Um trabalho que ajuda no processo de educação da nossa sociedade”, observou.

O Pedagogo, Juarez Paulo, de 56 anos, ficou maravilhado com o que apreciou.  “Muito lindo, a moça muito espontânea, algo diferente, estrutural, que mexe com a gente. Bem expressiva, intensa, muito pessoal, me surpreendeu. Hoje em dia é muito difícil guardar as fotografias e ela apresentou os antepassados, os avós, esse cuidado.  Espero que sejam um espelho para nós, que a gente possa ter a nossa própria criação, teatro é cultura, é arte, é vida!”, disse entusiasmado.

Serviço: Idealizada pela dupla de fazedores de cultura de Santarém, Elizangila Dezincourt e Elder Aguiar, responsáveis pelo Grupo Olho D’água, o evento tem o patrocínio da Equatorial Energia Pará, por meio da Lei Rouanet de Incentivo à Cultura. O objetivo do FestTeatro é proporcionar experiências dos fazeres e saberes em uma verdadeira imersão artística, de encontros com a comunidade amazônica.   

Ascom do FestTeatro

Texto: Diene Moura
Revisão: Natashia Santana
Fotografia: Júnior Aguiar e Carlos Cristiano

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